A primeira vez que entrei no Stadium Belmar Fidalgo, foi por puro acaso. Beirava os 13 anos, voltava de bicicleta do Dom Bosco para casa e, ao passar em frente ao portão principal do velho estádio fui atraído pelo alarido que vinha de seu interior. Era sábado. Quase 3 da tarde. Pelos gritos exaltados, logo adivinhei que os torcedores estavam brigando. Quando dei por mim estava forçando a velha catraca do portão principal. O bilheteiro e o guarda, com certeza, tinham corrido para ver a briga. Por pura molecagem, aproveitando a oportunidade, pulei a catraca. Entrei. De fininho...
Fui para a
arquibancada de madeira que ficava ao lado da humilde cabine de madeira
destinada à crônica esportiva. Nela, Sabino Preza, Ramão Achucarro, Mario
Mendonça, Kamya Júnior, Santos Mário, continuavam a narrar o jogo. O tumulto
acabara de ser controlado...
No gramado jogavam Asas
X Primeiro de Maio: soldados da Aeronáutica versus empregados da Sapataria
Zás-Trás. “Padeiros” contra “sapateiros”. A briga acabara. Os jogadores ainda estavam
nervosos. Para fugir do porteiro, busquei abrigo na torcida do Asas, comandada
por Mikiba, um taifeiro da Base Aérea, fanático, que não parava de gritar bem
alto incentivando o seu time. Na outra torcida, paraguaios gritavam palavrões
em guarani que eu não entendia...
O “zero”, não saía do
placar. Jogo duro. Difícil. Tenso. Disputado sob uma chuva fina. Insistente. O gramado
estava encharcado. A bola quase não rolava. Poças tomavam conta do campo
inteiro...
Ferramenta, zelador
do estádio, apitava a partida. Seus auxiliares? Felipão e Português. O trio se
esforçava para não criar caso, nem com os “soldados”, nem com os “sapateiros”.
Aquele empate não servia para nenhuma das equipes. Ambas poderiam ser
desclassificadas. Era vencer ou vencer...
Com o ambiente quente,
relógio avançando, o jogo fica dramático. Os times não arriscavam. A torcida roía
as unhas. Um torcedor impaciente, chateado com aquele “cerca-lourenço”,
desabafou: “Vamos correr safados! Falta só um minuto!”. O desespero tomou conta
dos jogadores. O jogo pegou fogo. O medo da desclassificação se desenhava nas
caras dos atletas...
Daí, o lance que
viraria folclore...
O Primeiro de Maio atacou com Antolí: recebeu a
bola do goleiro paraguaio Hermocilia, se livrou de um adversário, tabelou com
seu irmão Sapateiro e, da entrada da área, deu uma bicuda que ia furar a rede. Alindor
(“Gato”), goleiro do Asas voou baixo, desviou o petardo. A bola ricocheteou na
trave, bateu em Dequinha, pipocou no Maria Gorda e sobrou para Fumaça. De olhos
fechados o sargento enfermeiro deu um balão para o lado que estava virado. A
bola subiu, atravessou o campo. Foi cair, limpinha, nos pés de Sapo, ponta direita
do Asas que partiu em velocidade rumo ao gol adversário...
Desesperado, Hermocilia, goleiro da Zás-Trás,
abandonando a meta tentou impedir que Sapo chutasse. Com rara habilidade, Sapo se
livrou do obeso guarda metas e, vendo a bola se encaminhar para dentro do gol,
correu, para sua torcida. Vibrava, comemorava o golaço que pensava ter feito. Acabou
sendo sufocado por uma pirâmide humana. Hermocilia, caído na intermediária, cara
enfiada na lama, dava murros no chão, lamentando a desclassificação do Primeiro
de Maio...
Enquanto a torcida do Asas corria para o alambrado para
comemorar seu gol, aconteceu uma coisa do arco da velha. Aquela festa não durou
muito. De repente o carnaval foi se transformando em murmúrio. O velho Belmar
ficou mudo. Enquanto um silêncio sepulcral dominava a torcida, de novo aquela
voz anônima, incrédula, começou a berrar: “Olha a bola seus burros!”...
A bola? Não entrara
no gol. Depois de chutada, maliciosa, matreira e coquete, estava parada.
Quietinha. Descansava, na boca do gol, metade em cima da linha fatal, dentro de
uma poça d’água. Imaginem vinte-e-um marmanjos, acordando do absurdo transe, disparando
na mesma direção, tentando impedir (ou concretizar) o lance de misericórdia...
Benitez, zagueiro de seleção
paraguaia, capitão do Primeiro de Maio, saúde de puro sangue, um armário, chegou
primeiro. Sem nenhuma categoria, mas com muita picardia, deu um bico na
“garotinha”. Deu um chutão para longe. Por cima do muro e das copas dos ipês
coloridos da Dom Aquino. O que aconteceu depois? Uma explosão de gargalhadas...
O jogo? Acabou zero a
zero, com torcedores e jogadores se abraçando...
Meninos... Eu vi !!!
******[Jair Buchara]******
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