Anos atrás,
perambulando pelas ruas de São Paulo, acabei deambulando no bairro oriental da
Liberdade...
No meio da sua parafernália
de lojas e bares, fui atraído por uma pequena porta de um modesto bazar de
antigüidades. Entrei, por entrar, seduzido mais pelo ambiente misterioso do que
pela vontade de descobrir o que quer que fosse. Dentro, ninguém. Passei alguns
minutos examinando peças interessantíssimas de cerâmica, pedra sabão, granito,
mármore. Obras das antigas dinastias que dominaram o Oriente durante séculos.
Coisas lindas. Pequenos mas lindos escrínios...
Já procurava a saída
quando meus olhos viram perdido no meio de antigas louças, um vasilhame
diferente de todos os outros. Uma delicada xícara... de porcelana. A
fragilidade da textura, o talhe de porte nobre, a magia na mistura das cores, o
encanto dos desenhos em alto e baixo relevo, a leveza do conjunto,
extasiaram-me...
De repente, um ancião
de longa barba branca, como por encanto, surgiu do meio das bugigangas e,
aproveitando-se da minha admiração, disparou palavras que eu quase não
conseguia entender. Tentando explicar o valor daquela inestimável jóia, o velho,
ao expor a pequena xícara contra a luz, revelou-me um segredo. No fundo, quando
a luz atravessava sua fina película de porcelana, revelava secretos desenhos,
invisíveis a olho nu...
Estendeu-me a peça
para que eu a pegasse. Recusei. Tive medo. Era demais valiosa. Jamais (eu não
sabia o porquê) ousaria tocar naquela obra de arte. O velhote ficou sem
entender nada quando, passo a passo, fui recuando, sem conseguir desviar meus
olhos daquela xícara, até chegar à porta. Fugi...
Nunca mais voltei
naquele lugar...
Anos mais tarde,
numa noite de um dezembro qualquer, debrucei-me no parapeito do apartamento de
um amigo buscando fugir do tédio em que sua festa mergulhara. Distraído,
tentava descobrir porque uma estrela tinha o direito de ser mais bela e brilhar
mais que as outras, quando alguém, chegando sorrateiramente, me assustou. Querendo
descobrir quem acabara de chegar, girei meu corpo bruscamente. Era uma
mulher...
Já a conhecia de
outros dias. Já a admirava. De longe. Minha atração por ela era inconfessável,
mas antes, nunca a vira tão bela. Sabia que era bonita, mas não sabia que,
mesmo vestida de uma maneira mais sofisticada, podia exagerar nos seus
encantos. Gaguejei algumas palavras de cumprimento. Minimizei-me diante de seu
transcendente magnetismo pessoal. Sequer tive a coragem de estender minha mão
para concretizar o ato. Quando ela se afastou sorrindo, sem entender a razão
daquele meu comportamento, desalinhados e confusos meus pensamentos mergulharam
no passado. Voltei ao bairro nipônico. Somente daí, descobri minha verdade...
“Aquela” mulher sim
era uma jóia. Uma porcelana do Oriente. Tinha seu desenho exterior, mas (quando
lhe convinha), sábia e sutilmente deixava transparecer alguma coisa de seu
secreto e enigmático interior. Apenas o absolutamente necessário para atingir
seus propósitos. Era bela, sem ser ostensiva. Era simples, sem chegar à
timidez. Era incrivelmente natural, mas mesmo assim, era elegante e sedutora...
Como no caso da
xícara, percebi que jamais ousaria tocá-la. Faltar-me-ia coragem. Tinha medo de
fazê-la perder o seu justo equilíbrio. Quebrar aquilo que eu entendia ser a sua
mais pura e irreverente magia: seu doce encanto...
A festa, para mim,
acabara. Hipnotizado, receando não resistir à tentação de tocá-la, decidi que
era hora de ir embora. Sabia que jamais iria esquecê-la. Recuando, sem conseguir
desviar meus olhos dela, cheguei à porta. Fugi...
Nunca mais voltei a
ver “aquela” mulher...
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