06/09/2025

"AQUELA" MULHER...

 



 

Anos atrás, perambulando pelas ruas de São Paulo, acabei deambulando no bairro oriental da Liberdade...

No meio da sua parafernália de lojas e bares, fui atraído por uma pequena porta de um modesto bazar de antigüidades. Entrei, por entrar, seduzido mais pelo ambiente misterioso do que pela vontade de descobrir o que quer que fosse. Dentro, ninguém. Passei alguns minutos examinando peças interessantíssimas de cerâmica, pedra sabão, granito, mármore. Obras das antigas dinastias que dominaram o Oriente durante séculos. Coisas lindas. Pequenos mas lindos escrínios...

Já procurava a saída quando meus olhos viram perdido no meio de antigas louças, um vasilhame diferente de todos os outros. Uma delicada xícara... de porcelana. A fragilidade da textura, o talhe de porte nobre, a magia na mistura das cores, o encanto dos desenhos em alto e baixo relevo, a leveza do conjunto, extasiaram-me...

De repente, um ancião de longa barba branca, como por encanto, surgiu do meio das bugigangas e, aproveitando-se da minha admiração, disparou palavras que eu quase não conseguia entender. Tentando explicar o valor daquela inestimável jóia, o velho, ao expor a pequena xícara contra a luz, revelou-me um segredo. No fundo, quando a luz atravessava sua fina película de porcelana, revelava secretos desenhos, invisíveis a olho nu...

Estendeu-me a peça para que eu a pegasse. Recusei. Tive medo. Era demais valiosa. Jamais (eu não sabia o porquê) ousaria tocar naquela obra de arte. O velhote ficou sem entender nada quando, passo a passo, fui recuando, sem conseguir desviar meus olhos daquela xícara, até chegar à porta. Fugi...

Nunca mais voltei naquele lugar...

Anos mais tarde, numa noite de um dezembro qualquer, debrucei-me no parapeito do apartamento de um amigo buscando fugir do tédio em que sua festa mergulhara. Distraído, tentava descobrir porque uma estrela tinha o direito de ser mais bela e brilhar mais que as outras, quando alguém, chegando sorrateiramente, me assustou. Querendo descobrir quem acabara de chegar, girei meu corpo bruscamente. Era uma mulher...

Já a conhecia de outros dias. Já a admirava. De longe. Minha atração por ela era inconfessável, mas antes, nunca a vira tão bela. Sabia que era bonita, mas não sabia que, mesmo vestida de uma maneira mais sofisticada, podia exagerar nos seus encantos. Gaguejei algumas palavras de cumprimento. Minimizei-me diante de seu transcendente magnetismo pessoal. Sequer tive a coragem de estender minha mão para concretizar o ato. Quando ela se afastou sorrindo, sem entender a razão daquele meu comportamento, desalinhados e confusos meus pensamentos mergulharam no passado. Voltei ao bairro nipônico. Somente daí, descobri minha verdade...

“Aquela” mulher sim era uma jóia. Uma porcelana do Oriente. Tinha seu desenho exterior, mas (quando lhe convinha), sábia e sutilmente deixava transparecer alguma coisa de seu secreto e enigmático interior. Apenas o absolutamente necessário para atingir seus propósitos. Era bela, sem ser ostensiva. Era simples, sem chegar à timidez. Era incrivelmente natural, mas mesmo assim, era elegante e sedutora...

Como no caso da xícara, percebi que jamais ousaria tocá-la. Faltar-me-ia coragem. Tinha medo de fazê-la perder o seu justo equilíbrio. Quebrar aquilo que eu entendia ser a sua mais pura e irreverente magia: seu doce encanto...

A festa, para mim, acabara. Hipnotizado, receando não resistir à tentação de tocá-la, decidi que era hora de ir embora. Sabia que jamais iria esquecê-la. Recuando, sem conseguir desviar meus olhos dela, cheguei à porta. Fugi...

Nunca mais voltei a ver “aquela” mulher...

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