No tempo que as andorinhas embelezavam as tardes de Campo Grande, a Salgado Filho de hoje era chamada de Rua Contorno. Eu podia jurar que ela, assim que cruzava a Bandeirantes, não ia muito além de uma ponte de madeira erguida sobre o Anhanduizinho em cujas margens existiam altas moitas de capim navalha. Dalí em diante era só areia e mato. A redondeza, (Bandeira), era tomada por chácaras dos japoneses. O bairro Bandeirantes, para piorar, era cheio de lendas arrepiantes sobre a enigmática Capelinha de Santo Afonso e o lendário Portão-de-Ferro. Seus moradores, à noite, tinham medo de atravessar aquela capenga pinguela de madeira sobre o córrego por causa de uma velha lenda urbana: era protegida por um ser metade homem, metade lobo – “um lobisomem”, diziam. Todo peão desviava uma légua para evitar o lugar. Ninguém passava por ali depois da meia noite...
Certo sábado à tarde, num campo que ficava na
beira do Anhandui, uma vitória sobre o Municipal rendeu um engradado da cachaça
Chica Boa, aos jogadores do EC Bandeirantes. seus craques - Tó, Cavuco, Peroba,
Rodo, Bororo, Chapada, Cancian, Milton, Albino e outros – foram comemorar a
vitória em um bar ao lado do Portão de Ferro. Jogando sinuca e bebendo cachaça,
distraídos, não viram as horas passarem...
Quase meia noite. Lua cheia. Peroba, um bugre,
cor de cobre, morador do outro lado do riacho, na região do Bandeira, lembrou-se
que tinha que cruzar aquela “maldita” ponte. Nunca antes ele se atrasara tanto.
Nunca se atrevera a cruzar o pontilhão depois da Ave Maria. O bar ia fechar. Bêbado,
receoso de ser abandonado, sozinho, no pedaço, criou coragem. Confiava na sua
peixeira e no seu trabuco artesanal. Os outros, tentando amedrontá-lo, faziam
troça sobre o guardião da ponte: “Cuidado que o lobisomem vai lhe pegar!”. Peroba,
fazendo-se de valente, garantiu que não tinha medo de assombração: “Tenho meu
corpo fechado!”...
E lá foi nosso herói desafiar a apavorante pinguela.
No meio da travessia notou um agitar estranho nas moitas do outro lado do
córrego. Nervoso, pensou consigo mesmo: “Que diabo será isso? Caminhando
lentamente, engatilhou seu trabuco. Apressou seus passos. Desesperou-se quando
notou um vulto se erguendo no meio das moitas. Gritou bem alto: “Boa noite! Presta
atenção! Vou atravessar em paz! Não vou mexer com ninguém. Não mexa comigo! Estou
armado! Se mexer comigo, leva chumbo!". Quando estava saindo da ponte -
como contou depois - deu de cara com seu pior pesadelo. Correu. Quis fugir por
uma picada; mas a coisa, saindo detrás de uma moita, abraçou seu pescoço. Na
luta, os dois rolaram pelo barranco do riacho. O trabuco, negou fogo. Caiu na
água. Peroba – até hoje não sabe como - afundou sua "peixeira" naquele
ser peludo que começou a urrar. Fugindo da besta, Peroba chegou à chácara gritando:
“O lobisomem! O lobisomem! Matei o lobisomem!”...
Ninguém quis saber se sua estória era
verdadeira. Sua mãe comentou: “Bebeu!”...
No outro dia, o causo se espalhou. A
comunidade inteira correu para ver o lobisomem que tinha sido esfaqueado e morto
do outro lado da ponte do Anhandui. Uma
decepção. Que lobo, que nada. Era só um velho e coitado tamanduá Bandeira. Que
estava aproveitando o luar para matar sua fome em um formigueiro das moitas. Assustou-se
com a correria e os gritos desconexos de Peroba. Por isso o atacara. O mistério
da pinguela estava desvendado. O lobisomem que assombrava a pinguela da antiga Contorno,
nunca mais correu atrás de ninguém!
Meninos, eu vi!
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