16/02/2025

A VAMPIRA DOS ALTOS D'AFONSO PENA...

 


Quando Jenir fez 18 anos, sua avó, benzedeira no bairro Amambaí, lhe deu um patuá costurado em um pano preto aconselhando-o que, daquele dia em diante, deveria sempre trazer pendurado no pescoço. O patuá colecionava em seu interior, mistura de ervas com dentes de alhos macerados exalando um odor azedo que ele fingiu ignorar. Fechava o corpo. Evitava quebranto, mal olhado, feitiço, praga. Afugentava bruxa, vampiro e lobisomem. Para conquistar mulheres? Era infalível. Jenir deveria usá-lo sem contestações, nem porquês...

Era tudo que o Don Juan barato precisava para garantir suas conquistas. Agora poderia aprontar sem temer nenhum tipo de represálias. Além de ter o corpo fechado, seria irresistível. Mulheres? Seriam presas fáceis. Pensando estar protegido física e espiritualmente, o rapaz começou a agir como um super-homem. Depois de acertar uma milhar no jogo-do-bicho, comprou um velho Opala. Mandou envenenar o motor...

Um porteiro do Rádio Clube, conhecedor das quebradas da Cidade Morena, revelou que sabia de um lugar onde ele poderia “queimar pneu”: “Nos altos da Afonso Pena, depois das dez da noite, por causa da pressão dos filhinhos de papai, fica tudo liberado. A polícia deixa a zoeira correr solta!”...

31 de outubro, dia do Halloween, noite das bruxas, altos da Afonso Pena. É quase meia noite. Suando, Jenir se embriagava com o cheiro da borracha queimada no asfalto. Gangues de punks e darks misturavam-se a jovens e coroas mal intencionados que começavam a lotar os acostamentos. Jovens fantasiados. Pelas pistas da avenida mais charmosa de Campo Grande, desfilavam vampiros, duendes, dráculas, frankesteins e bruxas, vibrando e surtando com o roncar dos motores envenenados...

O “crack” corria solto. Havia cheiro de marijuana no ar. Jenir já havia flertado com meia dúzia de gatinhas empolgadas com seus cavalos de paus quando percebeu na multidão uma jovem “vampira”. Sua atenção foi desviada para a mulher mais bonita que jamais tinha visto na vida. No meio da fumaça dos baseados e dos escapamentos, flutuava ela. Sorrindo para ele, insinuava uma noite repleta de aventuras...

Jenir, não perdeu tempo. A pé, foi atrás da bela deusa. De longe, mini saia provocante, agitando uma esvoaçante capa negra, ela continuava a esbanjar seu charme. “Vai ser moleza!”, pensou o rapaz ao aproximar-se para abordar aquela tentação. Daí, a decepção. A menina recuou. De repente, olhos arregalados, assustada como se estivesse sufocando, precisando respirar, fugiu apavorada engolida pela na multidão. Perplexo, Jenir se recusou a desistir da moça. Seu problema se resumia onde encontrá-la. Com raiva, ficou mais arrojado. Radicalizou nas manobras. Ganhou cada vez mais aplausos. Subia e descia a avenida surtando como se estivesse drogado. E, de novo, ela. No meio da multidão, sorria maliciosa para Jenir. Pele alva, sedosa. Cabelos repicados. Unhas vermelhas semelhantes à garras. Boca sensual, dentes perfeitos. Olhar profundo e marcado por enigmática olheira...

Jenir desce do carro batendo a porta. Corre em busca de sua musa. Ao tentar falar com ela, de novo é recebido por um olhar angustiado, apavorado, o medo desenhado em cada gesto. De novo a fuga em pânico pela noite. O rapaz tenta segui-la. Barrado por um grupo de ‘skinheads’, desiste da perseguição. Desolado volta para o carro Sua frustração era tanta que se quedou absorto, parado. Não entendia o que acontecera. Cabisbaixo, volta para sua máquina. Irritado, abre a porta do Opala, desaba no banco dianteiro. Nisso, o cordão de seu patuá se enrosca na maçaneta. Arrebenta. O amuleto carambolou no ar. Foi parar debaixo do banco dianteiro. Um cheiro nojento invadiu o ar. Os olhos de Jenir lacrimejaram. Suas pupilas se dilataram. Pensou: “É isso! É do patuá este maldito cheiro de alho podre. Ela fugiu por causa do cheiro! Por que não percebi antes?”...

Os primeiros fogos comemoravam o Halloween quando Jenir se misturou com as múmias, esqueletos e dráculas. Ápice da noite das bruxas. O patuá? Ficou abandonado debaixo do banco. Confiante, o rapaz corre em busca da sua vampira. Ei-la ali. Desta vez, a mulher-morcego não foge. Caminha lentamente quando Jenir a aborda. Ao lado dele, deixa-se abraçar. Não se nega. Depois de um apaixonado beijo, sem dizer uma só palavra, o casal mergulha nas românticas quebradas dos altos d’Afonso Pena...

Primeiro de novembro. Dia de todos os santos. Véspera de Finados. Na névoa seca da manhã, um médico legista examina o corpo de um jovem caído ao lado da estátua do guerreiro guaicuru no Parque das Nações Indígenas. É o cadáver de Jenir.  Sem nenhum sinal de violência, ferimento, hematoma, ou buraco de bala. No pescoço, na jugular, dois furos. O corpo não tem uma gota de sangue. Parece um boneco de cera...

O legista chama o delegado. Faz uma confidência. Sussurra ao seu ouvido: “Eu não acredito em bruxas, mas, ontem foi a noite delas. Posso jurar que este coitado foi atacado por um... vampiro!“ Respira fundo: “Como nós sabemos que vampiros não existem, não sei o que dizer! Para não atrapalhar nosso feriado, vou atestar morte natural! Parada cardíaca! Todo mundo vai notar as duas marcas no pescoço. Vou ser menos formal. Evitar perguntas embaraçosas. Ele? Se picou. Injetou cocaína ou heroína no pescoço. O coração não resistiu. Resolvido... Ele morreu de overdose!”...

Pobre Jenir. Quem mandou não ouvir o conselho de sua avó? Quem mandou abandonar seu patuá? Longe dele, não tinha o corpo fechado...

Meninos... Eu vi !!!

*****Jair Buchara******


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