22/11/2025

SÓ UMA BALA NA AGULHA...

 

 

O amor é bala perdida. Viaja sem rumo e sem destino. Explode no coração do primeiro incauto que cruza seu caminho. Impiedoso, não escolhe idade, nem sexo...

No caso de Cornélio, chegou bem cedo. Decidido a criar raízes. Pegou o rapaz, na plenitude de seus 15 anos...

Com uma saúde de Biotônico Fontoura, de repente, o garoto começou a deixar seus pais preocupados. Abandonou os livros. Deixou de ouvir rádio. Parou de bater bola com seus amigos. Vivia suspirando pelos cantos. Seu pai, Oscar, cochichou para sua mãe: “Maria, aí tem dedo de mulher!”...

Ledo engano. A responsável pelos suspiros não era uma mulher. Era só uma menina. Só 13 anos. Criança que, de noite, ainda passava da sua cama para a de seus pais. Que dormia abraçada com um bichinho de pelúcia e passava as tardes conversando com sua boneca Emília. Quase um anjo. Ela era a bala perdida que ferira o coração de Cornélio...

Estudante do Colégio das Irmãs. Carinha de ingênua, a menina parecia não saber do potencial que seu corpo começava a revelar. Displicentemente, fingia não notar o generoso botão desabotoado de sua blusa que premiava os homens com uma visão maliciosa e pecadora. A saia colegial, não era capaz de cobrir todos os encantos que Deus generosamente lhe dera. Os meninos, pelas ruas do Amambai, batiam cabeça tentando ver algo mais ao longo daquele delicioso, juvenil e ouriçado par de coxas...

Cornélio estudava no General Malan. Morava nos arredores da Perpétuo Socorro. Aos domingos era o primeiro a chegar para a missa das sete. Não para orar, para adorar. Encarando fixamente, sem dar um suspiro, sem mexer um músculo, vigiava todos os passos e gestos de Teresinha com genuína devoção...

Não deu outra coisa. Enamoraram-se. Paixão instantânea. Recíproca. A jovem, católica, vivia na igreja. Não perdia missa, novena ou quermesse. Ajudava no que podia. Por causa dessa dedicação toda, Cornélio começou a achar que ela era uma santa. Apesar do desejo que o consumia, se mantinha firme. Tratava Teresa com o maior respeito. Sem longos beijos na boca nem carícias mais audaciosas...

Ela, verdadeiro vulcão, cheia de amor para dar, consumia-se em desejos inconfessáveis. Ele fazia questão de não avançar o sinal. Bom caráter, enquanto segurava as pontas, vivia repetindo: “Não Teresa! Espere o casamento! Eu aguento!”. Para seu pai, ele confidenciava: “Sou um cara de sorte! Teresinha é uma santa!”...

Na realidade estavam apaixonados. Assim se casaram. Viviam felizes. A moça continuava generosa nos seus decotes e sentares. O jovem, cada vez mais apaixonado, debulhava elogios para a mulher amada. E o tempo passou. Sete meses de casamento. Nenhum sinal de barriga ou gravidez. Uma noite, ouvindo a sogra reclamar por um neto, Teresinha desabafou: “A culpa não é minha, é de seu filho! Não me procura! Acha que sou santa, que sou de ferro! Que não sinto vontade nem desejo!”...

Essa conversa acabou sendo ouvida pelo velho Oscar...

Ávido por um neto, o coroa ficou indignado. Seu filho não era gay. Era macho, como ele. Daí pegou no pé do rapaz. Cobrou. Qual era o problema? Afinal, Teresinha era uma potranca. Transpirava sensualidade. Cheia de vontades, doida para subir pelas paredes. Cornélio desconversou. Que conversa era aquela? Sua mulher não era puta. Tinha que ser respeitada. Disse que na hora certa, aconteceria. Não precisavam ficar pressionando. Seu pai, ainda desconfiado, advertiu: “Vou ter uma conversinha com Teresa. Ela vai ter que me explicar esta falseta”. Ninguém ficou sabendo se chegou a cumprir sua promessa. O tempo voou. Todo mundo esquecera tal episódio...

Certa tarde, Cornélio recebe um envelope. Um moleque pilotando uma bicicleta lhe disse: “É para o senhor!”. Dentro, um bilhete. Anônimo. Curto e grosso: “Sua mulher está lhe traindo!”. Nos dias seguintes, outros mais. Revelavam datas e detalhes dos encontros. Nenhum nome. É claro que a vida de Cornélio virou um inferno insuportável. Fingia fazer absoluta questão de ignorar e não acreditar naquilo que lia. Mentiras escritas por algum maldito invejoso...

Um dia, depois de mais um bilhete lido e de observar as atitudes de sua amada, chegou ao limite. Começou a pensar como estava sua vida conjugal. Sua mulher não o procurava mais com o mesmo fogo de antes. Não reclamava. Dormia cedo. Seria verdade? Estava sendo traído? Mas, por quem? Hipocritamente, para ele, Teresinha continuava sendo uma santa. Adorava-a. A culpa toda seria de algum canalha que a estava iludindo, aproveitando de sua ingenuidade e inexperiência. Da sua pureza de caráter. Seria a mesma pessoa que estava mandando aqueles bilhetes idiotas? Raivoso, tomou uma decisão inconsequente: se preciso fosse, mataria o conquistador. Defenderia a honra e a reputação de sua amada. Para isso, começou a arquitetar um plano...

Comprou uma pistola. Receando que na hora que fosse usar a arma lhe ocorresse a tentação de atirar também na sua amada, decidiu: “Vou por só uma bala na agulha!”. Não teria piedade. Colaria a arma na nuca do tarado e, fim da linha parceiro!

Quarta feira, dia de levar sua mulher na novena. Cornélio fingiu uma enxaqueca. Pediu para ficar repousando em casa. Ela podia ir sozinha. Assim, se os bilhetes fossem verdadeiros, Teresa não perderia a chance de encontrar-se com seu amante. Esperou o tempo passar. Noite chegando, enfiou sua arma debaixo do paletó branco de linho. Saiu assoviando, tranquilamente...

Chegou ao endereço delatado, uma pensão na esplanada ferroviária, rua General Melo. Deu uma propina para o porteiro que confirmou a presença de um casal no quarto 13. Pela descrição, a mulher era mesmo Teresinha. Recebendo a cópia da chave do quarto, jurou não fazer nenhum escândalo. Precisava, só, tirar uma dúvida. Queria conversar com os dois para confirmar um negócio. Começou a subir cautelosamente. Em silêncio, com muito sangue frio, destrancou a porta. Empurrou-a devagar, quase com medo. Entrou um pé depois do outro naquele lupanar. Reconheceu os ofegantes gemidos de uma mulher. Era mesmo a sua Teresinha. Em pleno cio...

Dezenove horas. Os dois amantes, apaixonadamente ativos, não notaram sua presença. O barulho de um trem chegando à estação da Noroeste encobriu o som de seus passos. Cornélio, coração na mão, enojado, chegou bem pertinho do casal. Antes de atirar, quis saber quem era o cara que roubara o coração de sua mulher. Olhou direto nos olhos do traidor...

Pobre rapaz. O tarado, o canalha, amante de Teresinha, era Oscar. Seu pai...

O tiro, fatal, ecoou pelos corredores do Colégio Dom Bosco e pelos apartamentos do Hotel Gaspar. Foi ouvido no Dragão da Baixada. Explodiu a cabeça do infeliz. O sangue escorreu pelas paredes. Os miolos mancharam os alvos lençóis da impura cama. Realmente uma tragédia. A notícia rapidamente se espalhou. Campo Grande se comoveu...

Um tiro só! Cornélio, o mais apaixonado, o mais fiel de todos os maridos...

Acabara de se suicidar!

Meninos eu ví!

jairbuchara@hotmail.com

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