Orgulhoso por exibir meu “caçador”, lentes pretas, raiban comprado no Paraguai - ‘la garantia soy yo!’ – entro em um banco já me sentindo roubado. Quanto mais taxas cobram, mais ricos ficam, pior tratam seus clientes. Na fila, derreto por mais de 40 minutos. Nem água, nem ar condicionado, nada. O suor toma conta de minha roupa. Insiste em correr pelo meu corpo. É hora de almoço. Sem tempo de voltar para casa, terei que me virar e sacar uns trocados para comer...
Diante da caixa eletrônica, depois de pagar um boleto, a dolorosa descoberta. Meu limite foi para o brejo. Comida? Só se vender um vale transporte. Tenho míseros trocados no bolso. Fora, Campo Grande mais parece uma fornalha. Qualquer pedaço de sombra é bem vinda. Ajeito meu raiban. Faço cara de malvado. Atravesso a rua. Entro no primeiro bar que acho perto da rodoviária. Contando as moedas que trago no bolso, duvido que aliviarei minha fome. Quem sabe uma tubaína e um pão de queijo? No boteco, as atenções dos presentes se voltam para mim, tenho certeza, por causa do meu inseparável raiban, óculos de sol paraguaio, “la garantia soy yo”...
O silêncio toma conta do ambiente. Desconfiado, piso firme, avalio a situação. Ao redor do balcão os copos de bebida estão em repouso. Os olhares de interrogação miram minhas lentes pretas, cheios de dúvida e respeito. Dois homens se encontram em pé. Um deles é o dono do bar. Distraído, ele para de servir seus clientes. O outro, completamente bêbado, tem um maço de cédulas em sua mão. Percebo, num relance, que nos bolsos das camisas de cada um daqueles que estão sentados, existe uma nota amassada: o coitado estava distribuindo dinheiro. Notas de 10...
Soco a mesa com os punhos fechados. O dono do bar, paralisado no ato de enxugar um copo, me olha assustado. Adivinho que todos estão pensando que sou da polícia. Talvez um delegado. Não sei com que coragem exijo em voz alta: “Muito bem seus espertinhos. Acabou a farra. Comecem a devolver o dinheiro do homem. Agora!”...
Cada um se apressa, o mais rápido possível, em devolver o dinheiro presenteado pelo infeliz. As notas parecem queimar as mãos dos oportunistas. O bêbado não sabe onde guardar a dinheirama toda. Trôpego, caminha em minha direção, protestando: “Mas doutor, o dinheiro é meu. Recebi pagamento hoje. Estou pagando uma rodada para a turma. São meus amigos!”. Tenta colocar uma nota em meu bolso. Tomo todo seu dinheiro. Faço um monte só. Enfio tudo em sua carteira. Exijo: “Agora suma, vá para sua casa. Sua família está esperando para o almoço. Dê o fora daqui!”. Nem perguntei se ele devia alguma coisa. Empurro-o porta afora. Fico lhe olhando até dobrar a esquina...
Ninguém dá um pio. Dirijo-me à silenciosa platéia: “Da próxima vez, chamo um camburão. Recolho todo mundo. Não vai escapar ninguém!”. Um a um começa a pagar a conta e sair de fininho. O dono do bar, abrindo um falso sorriso tenta se explicar: “Doutor, desculpe. A gente não estava roubando ninguém. Na hora em que ele fosse embora, a gente devolveria tudinho. Não leve a mal. Era só uma brincadeira!”. Tenta me agradar: “Olha, para provar que estou falando a verdade, eu sei que o doutor não almoçou ainda. Então, fique à vontade. É tudo por conta da casa. O prato principal, a cervejinha gelada, o que o senhor quiser mais. Por favor, aceite. Não me faça uma desfeita!”...
Penso comigo mesmo: “Ah, esse meu raiban é mágico!”. Finjo que não vou aceitar. Ensaio mentiroso charme. O coitado insiste. Só com alguns trocados no bolso, escolho a melhor mesa, peço um filé com fritas, um loira bem gelada, e, desfruto de todo poder que emana de minha “autoridade ocular”...
Sobremesa garantida, cafezinho tomado, mil reverências trocadas, falsos agradecimentos, saio daquele bar para nunca mais passar nem perto. Na rua, confiro os trocados no bolso. Ajeito meu “legítimo” raiban no rosto. Faço cara de mal, vou em frente. Sigo direto para meu trabalho...
A vida é mesmo bela!
Meninos... Eu vi!
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