02/03/2025

NO TEMPO DAS ANDORINHAS...

                                                   

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No tempo das andorinhas Campo Grande não tinha TV e suas rádios funcionavam precariamente. As crianças acreditavam no Saci Pererê e na Mula Sem Cabeça. Não se falava em Pantanal nem em Ecologia. Os mitos e lendas serviam para alimentar nossa imaginação. Motivavam nosso sono em busca de nossos sonhos. Existia um só Mato Grosso. Os recrutas que chegavam vindos do interior de São Paulo para os quartéis de Campo Grande chamavam nossa gente de “mandioqueiros”...

A única ligação com o mundo civilizado, além do telégrafo e dos raros aviões da Real e Panair, era a Noroeste do Brasil. Com o mundo “menos” civilizado, os trens da NOB chegavam até as fronteiras do Paraguai e da Bolívia. Dependendo da situação política/econômica daqueles países – a Cidade Morena periodicamente era invadida por seus cidadãos menos favorecidos pela sorte...

Nossas estradas e ruas eram de terra. As principais avenidas eram calçadas com paralelepípedos. A nuvem de poeira vermelha levantada pelas boiadas que cruzavam a cidade era avistada a quilômetros de distância contrastando com um maravilhoso arrebol amarelo dourado, pleno de alvissareiras andorinhas. Suas revoadas escondiam a luz do sol, enchiam nossas praças de detritos. A ZYX-4, Cultura, e a PRI-7, Difusora, rádios locais, mal alcançavam as porteiras das fazendas mais próximas. “Chalana”, “Beijinho Doce” e “Meu Primeiro Amor”, eram as músicas mais ouvidas nos parques de diversões e na zona do baixo meretrício da Rua 7. Mario Mendonça era o melhor locutor esportivo, secundado por Kamya Júnior. Sabino Preza, Ramão Achucarro e Juca Ganso, acordavam a população com as vozes de Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho, Délio e Delinha e davam recados para a parentada dos fazendeiros. Nas rádios, a ‘hora certa, certinha?’ – era ‘gentileza do Trapiche da Vaquinha’, Doralice Vargas e Antonio Silva eram os cantores tops desta terra. Católicos dominavam a cidade. Nas novenas da igreja do Perpétuo Socorro o povo brigava por um lugar. Colhendo guavira nas moitas da Fazenda das Moças as jovens perdiam a virgindade; os casamentos eram arranjados às pressas. Badú era o melhor juiz de futebol. Chá Mate, o campeão nas corridas da hípica. A guampa de chimarrão esquentava as ruas da cidade. Nos coretos das praças aconteciam as retretas da Banda da 4ª DC. Comia-se chipa, sopa paraguaia, linguiça, churrasco com mandioca. O Operário era o maior rival do Comercial. Jadir e Tachinha, os melhores jogadores de futebol. Buchara, do Futsal. Marilena de Oliveira Lima, a “miss” mais bonita. Gasolina, a melhor jogadora de vôlei de uma inesquecível seleção várias vezes campeã dos Jogos Noroestinos. Estadual, Dom Bosco e Oswaldo Cruz, na acanhada quadra da União dos Sargentos disputavam a ferro e fogo o título dos Jogos Estudantis. Um duelo de fanfarras, na Rua 14 de Julho, no aniversário da cidade, definia o melhor colégio. Padre Félix, Dª Constança e Luis Alexandre, dirigiam os melhores colégios. Cavalon, melhor professor de matemática; Demichelis de desenho; Glorinha, de português. O Rádio Clube era o mais chique. Bororos e Xavantes, da aldeia Meruri, demonstravam suas habilidades com o arco e flecha no pátio do Dom Bosco. Os gaúchos começavam a tomar posse destas terras...

Tempo gostoso. As prostitutas ficavam confinadas nas ruas 7 e Vasconcelos Fernandes, sustentadas pelo soldo dos recrutas do Exército e da Base Aérea. O dinheiro do gado movimentava o comércio e era responsável pela alcunha de “capital econômica do Estado”. A “justiça” de Mato Grosso era o “44”. Lobisomens, almas penadas, habitavam o cemitério Santo Antonio. Na Lua cheia, bruxas e mulas sem cabeças, desfilavam por nossas ruas escuras e esburacadas da periferia...

O “Trem do Pantanal” trouxe o progresso. O Estado foi dividido. A Morena prosperou ao longo dos trilhos da NOB. Cresceu em todas as direções. Tornou-se capital. Virou metrópole. Um gigante da economia. Suas histórias (felizmente) continuam acontecendo pelas ruas dos bairros, onde todos os dias surgem tipos inesquecíveis...

Meninos... Eu vi!

*****Jair Buchara*****

[ jairbuchara@hotmail.com ]


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