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No tempo das andorinhas Campo Grande
não tinha TV e suas rádios funcionavam precariamente. As crianças acreditavam
no Saci Pererê e na Mula Sem Cabeça. Não se falava em Pantanal nem em Ecologia.
Os mitos e lendas serviam para alimentar nossa imaginação. Motivavam nosso sono
em busca de nossos sonhos. Existia um só Mato Grosso. Os recrutas que chegavam
vindos do interior de São Paulo para os quartéis de Campo Grande chamavam nossa
gente de “mandioqueiros”...
A única ligação com o mundo
civilizado, além do telégrafo e dos raros aviões da Real e Panair, era a
Noroeste do Brasil. Com o mundo “menos” civilizado, os trens da NOB chegavam
até as fronteiras do Paraguai e da Bolívia. Dependendo da situação política/econômica
daqueles países – a Cidade Morena periodicamente era invadida por seus cidadãos
menos favorecidos pela sorte...
Nossas estradas e ruas eram de terra.
As principais avenidas eram calçadas com paralelepípedos. A nuvem de poeira
vermelha levantada pelas boiadas que cruzavam a cidade era avistada a
quilômetros de distância contrastando com um maravilhoso arrebol amarelo
dourado, pleno de alvissareiras andorinhas. Suas revoadas escondiam a luz do
sol, enchiam nossas praças de detritos. A ZYX-4, Cultura, e a PRI-7, Difusora,
rádios locais, mal alcançavam as porteiras das fazendas mais próximas.
“Chalana”, “Beijinho Doce” e “Meu Primeiro Amor”, eram as músicas mais ouvidas
nos parques de diversões e na zona do baixo meretrício da Rua 7. Mario Mendonça
era o melhor locutor esportivo, secundado por Kamya Júnior. Sabino Preza, Ramão
Achucarro e Juca Ganso, acordavam a população com as vozes de Tonico e Tinoco,
Alvarenga e Ranchinho, Délio e Delinha e davam recados para a parentada dos
fazendeiros. Nas rádios, a ‘hora certa, certinha?’ – era ‘gentileza do Trapiche
da Vaquinha’, Doralice Vargas e Antonio Silva eram os cantores tops desta
terra. Católicos dominavam a cidade. Nas novenas da igreja do Perpétuo Socorro
o povo brigava por um lugar. Colhendo guavira nas moitas da Fazenda das Moças
as jovens perdiam a virgindade; os casamentos eram arranjados às pressas. Badú
era o melhor juiz de futebol. Chá Mate, o campeão nas corridas da hípica. A
guampa de chimarrão esquentava as ruas da cidade. Nos coretos das praças
aconteciam as retretas da Banda da 4ª DC. Comia-se chipa, sopa paraguaia, linguiça,
churrasco com mandioca. O Operário era o maior rival do Comercial. Jadir e
Tachinha, os melhores jogadores de futebol. Buchara, do Futsal. Marilena de
Oliveira Lima, a “miss” mais bonita. Gasolina, a melhor jogadora de vôlei de
uma inesquecível seleção várias vezes campeã dos Jogos Noroestinos. Estadual,
Dom Bosco e Oswaldo Cruz, na acanhada quadra da União dos Sargentos disputavam a
ferro e fogo o título dos Jogos Estudantis. Um duelo de fanfarras, na Rua 14 de
Julho, no aniversário da cidade, definia o melhor colégio. Padre Félix, Dª Constança
e Luis Alexandre, dirigiam os melhores colégios. Cavalon, melhor professor de
matemática; Demichelis de desenho; Glorinha, de português. O Rádio Clube era o
mais chique. Bororos e Xavantes, da aldeia Meruri, demonstravam suas
habilidades com o arco e flecha no pátio do Dom Bosco. Os gaúchos começavam a
tomar posse destas terras...
Tempo gostoso. As prostitutas ficavam
confinadas nas ruas 7 e Vasconcelos Fernandes, sustentadas pelo soldo dos
recrutas do Exército e da Base Aérea. O dinheiro do gado movimentava o comércio
e era responsável pela alcunha de “capital econômica do Estado”. A “justiça” de
Mato Grosso era o “
O “Trem do Pantanal” trouxe o
progresso. O Estado foi dividido. A Morena prosperou ao longo dos trilhos da
NOB. Cresceu em todas as direções. Tornou-se capital. Virou metrópole. Um
gigante da economia. Suas histórias (felizmente) continuam acontecendo pelas
ruas dos bairros, onde todos os dias surgem tipos inesquecíveis...
Meninos... Eu vi!
*****Jair
Buchara*****
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