08/08/2022

 


O LOBISOMEM DE CORUMBÁ

 

No fim do século XX, o Corumbaense era um dos três grandes do futebol de Mato Grosso do Sul. Naqueles dias, eu era árbitro de futebol e, quase sempre, o preferido por Alfredo Zamlutti Jr, presidente da Federação, para dirigir os “clássicos” de MS. E era só por causa disso que eu, uma vez ou outra, me via circulando pelas ruas da linda e majestosa cidade de Corumbá, capital do nosso Pantanal...

O calor da Cidade Branca é uma de suas marcas registradas. Por estar às margens do Rio Paraguai, Corumbá tem um quê de cidade praiana, lembrando muito o Rio. Nas tardes de jogo a multidão revela muito do jeito de ser do povo carioca. Eu ficava impressionado ao ver a massa de torcedores e de carros circulando pelas ruas com a bandeira do Corumbaense, desafiando a torcida visitante. Nos bares lotados, peixe frito e cerveja estupidamente gelada, trincando, animavam e davam o tom das conversas. O corumbaense, com certeza, traz um gene da cidade do Rio de Janeiro correndo em suas veias, morando em seus corações...

Certa sexta feira, feriado municipal, eu apitaria um Corumbaense X Operário. Pela manhã visitei o Forte Coimbra, atração turística da região e acabei almoçando por lá. Um gestor da fortaleza me presenteou com uma medalha de Nossa Senhora do Carmo, padroeira do quartel. Disse que me protegeria bastando invocá-la nos momentos de dificuldades...

O jogo transcorreu normalmente e sem maiores incidentes. Depois que o jogo acabou eu estava liberado, mas só retornaria para Campo Grande no sábado no monomotor do presidente Zamlutti. Decidi conhecer melhor o que a noite corumbaense tinha para oferecer aos seus visitantes. Ciceroneado por Apolônio, árbitro corumbaense, girei e circulei por bares e boates até às tantas. Bebemos tudo que tínhamos direito. Experimentamos as delícias culinárias que Corumbá oferece para seus visitantes. Nem vimos o tempo passar. Conversamos até perto da meia-noite, horário em que Apolônio alegou se despediu e foi embora. Solitário, voltei para o Santa Mônica, meu hotel...

Estava no porto. Precisava chegar até a cidade alta. Capengando, cheguei na escadaria da XV. Teria que escalar, um a um, os 126 degraus daquele pedaço escuro e perigoso. Ao começar meu calvário, uma aranha correu pelo paredão de pedra. Uma caranguejeira do tamanho de meu punho fechado. Mau presságio? Catei da escadaria metade de um tijolo e com um só golpe, cravei a aranha na muralha. O sino da matriz anunciou a meia-noite. Cães começaram a ladrar lá no alto; com certeza para algum casal de namorados. Logo pude ver que não era por causa disso. Os cães desciam a ladeira perseguindo alguma coisa que vinha direto na minha direção. Assustado, agarrei-me à grade de ferro de uma casa antiga. Pulei para o lado de dentro. Num canto do muro de pedras, escondi-me nas sombras. Apertei fervorosamente a medalha de Nossa Senhora do Carmo, protetora do Forte Coimbra. Se a santa era mesmo milagrosa, livrar-me da coisa que descia a escadaria, para ela seria fichinha...

Protegido pela grade testemunhei o sobrenatural acontecer. Uma criatura horrível, metade homem, metade cachorro, uivando como lobo, apoiada nas patas traseiras, despencava escadaria abaixo. Fugia dos cães. Preso em suas mandíbulas, trazia um cão morto, estraçalhado. Enquanto a besta se aproximava, um cheiro nauseabundo de titica de galinha invadiu o lugar. Encolhido, como um feto, eu já esgotara o meu repertório de orações. Os cães ganiam desesperadamente. Uivavam em delírio. Aquele que chegava ao alcance do lobisomem era arremessado para longe por dilacerantes patadas. Então, por um instante, ficamos cara a cara. Olhos vermelhos, de fogo. Peludo como um urso. Negro como um urubu. Gigante como uma onça pintada. Garras de tamanduá. Sua imagem, recortada contra a lua cheia ficou gravada em minha memória, para sempre. Estávamos frente a frente. Daí, a coisa me encarou. Suei frio. Um calafrio percorreu minha espinha. Desesperado apontei a imagem da santa na direção da criatura. Berrei: “Valei-me Nossa Senhora do Carmo!”...

Cerrei meus olhos. Esperei a morte. Senti o monstro chegando cada vez mais perto. Seu fétido hálito penetrava as minhas narinas. De repente um silêncio profundo invadiu a escadaria. Abri um dos olhos. Ainda pude ver o homem-lobo fugindo dos cães. Pulou um muro, escalou uma árvore, sumiu sobre o telhado da Casa Vasquez...

Quem acreditaria nesta minha estória? Preferi que ficasse por muito tempo no anonimato.

Foi assim, por tudo isso, que me tornei devoto da santa do Carmo. Sempre que vou à Corumbá, faço questão de visitar sua capela...

Meninos, eu vi !!!

 

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