24/10/2021

A BRUXA DO TARUMÃ

 


BEN-HUR...

Nasceu com nome diferente, badalado, nome de príncipe judeu, de filme americano famoso...

No embalo da cabecinha oca de sua mãe, Maria, cresceu pensando ser o “máximo”, embora abominasse a infelicidade de ter nascido em família humilde, cujo único patrimônio era uma casinha no Tarumã...

Por causa da precária situação financeira dos pais e do sarro que seus colegas e professores tiravam de seu nome, a cada dia ia se sentindo mais humilhado. Não se enturmava. Não fazia amigos. Preferia andar sozinho. Aos completar 16 anos, começou a perceber que gozava de um certo charme. Cabeludo, cheio de pulseiras e colares, calça jeans, camisa vermelha. O nome de filme soava meio estranho, mas ajudava. As meninas viviam atrás dele, pegando em seu pé, mandando bilhetinhos. As mulheres mais velhas, mesmo as casadas, viviam lhe atirando olhares lânguidos, beijinhos, piscadelas, com promessas de muitas aventuras...

Aos 18, alistou-se no Exército. Alí passou a maior parte do tempo de soldado atrás das grades, por desacato, bebedeira e quebra-quebra em bordéis. Aproveitou o tempo de caserna para juntar uns trocados. Em vez de tirar proveito do lado bom da situação, depois de um ano, ao dar baixa, estava mais revoltado, cada vez mais decidido a se vingar do mundo. Como todo covarde, pusilânime, sem caráter, escolheu o sexo frágil para ajustar as contas. Vingança besta, sem sentido, que nem ele mesmo sabia explicar qual o motivo...

Desempregado, por muito tempo viveu sustentado pelas ingênuas colegiais que se emaranhavam nas falsas teias de seus encantos...

Uma ocasião, beirando a meia-noite, depois de ter assistido a um jogo no Morenão, pela primeira vez e por acaso embarcou no “Corujão”, o último ônibus noturno que fazia a linha “Centro – Tarumã”, o bairro mais distante da cidade...

Observador como era, descobriu maliciosamente que naquele horário e naquele ônibus lotado por cansados trabalhadores, estudantes, enfermeiras, desocupados, soldados, homens e mulheres, poderia se valer de seus “encantos” e de suas certeiras “cantadas”, para ganhar algum dinheiro fácil. Se quisesse, poderia até arrastar algumas incautas para uma rápida aventura e satisfazer seus mais miseráveis e baixos desejos...

Com o passar dos dias tornou-se usuário frequente do “Corujão”...

Depois de algum tempo já eram muitas as suas vítimas. Não lhe bastava tomar o mirrado dinheiro das infelizes. Entrava e discretamente escolhia sua vítima. Daí ficava se esfregando na coitada que, quando ousava resistir ao seu assédio, era ameaçada de morte. Sob a mira de uma fictícia arma que Ben-Hur fingia trazer no bolso da jaqueta, era sequestrada, obrigada a descer do ônibus, acabava sendo estuprada. Sem dó nem piedade. Nenhuma das jovens, com justo receio das ameaças que lhes eram feitas pelo maníaco, jamais teve coragem para procurar a polícia. Tudo ia dando certo para o descarado aproveitador...

Até que, por força do destino, viveu uma fatídica Sexta Feira Santa. Naquele dia, sagrado, de luto para os cristãos, Ben-Hur se preparava para sair para mais uma de suas “caçadas”...

Sua mãe pressentindo sabe-se lá o quê, ousou lhe implorar: “Não saia hoje meu filho! Fique em casa! Jesus está morto! As bruxas estão soltas! Não vá ficar andando por aí sem destino! É perigoso! Eu estou com medo!”...

O tarado nem deu bola. Saiu dando risadas. Perambulou pelas ruas de Campo Grande até tarde da noite. Por causa do dia santo, não havia nenhum movimento. Estava louco por um copo de cachaça, mas os bares estavam todos fechados. Poucas pessoas ainda caminhavam pelas ruas quando o “Corujão” chegou à rua Maracaju. Ponto no qual o ‘príncipe’ Ben-Hur embarcou...

Assim que o coletivo parou na Rodoviária, o galã aproveitou o “empurra-empurra” para se dar bem, já selecionando sua próxima vítima. Embarcaram poucas mulheres, nenhuma muito interessante. O ônibus estava quase vazio. Felizmente, no último banco, uma solitária passageira. Um punhado de seu loiro cabelo contrastava com o discreto cachecol que escondia quase todo seu rosto. Toda vestida de branco...

“Ainda bem!”, pensou o desaforado conquistador...

A mulher só podia ser uma enfermeira, ou auxiliar de um hospital qualquer. Sem lhe dar a mínima atenção, a bela fêmea, na maior desenvoltura, tricotava uma peça de lã. As duas agulhas de aço, negras, iam e vinham numa incrível velocidade...

Ben-Hur sentou-se ao lado da desconhecida. Tentou puxar conversa. Em vão. Nem um olhar. Nem uma contestação. Nenhum suspiro. Raivoso, rosnou: “Azar dela! Vai ser ela mesma! Quem mandou ser metida a besta!”. Apoiando a cabeça no banco, fingiu dormir, esperou o momento certo para atacar. Enquanto isso o “Corujão”, pipocando pelas esburacadas ruas dos bairros da periferia de Campo Grande, se aproximava do ponto final. Passou pelo bairro Amambai, Tijuca, Batistão, São Jorge da Lagoa. Entrou na Copavila II, invadiu o Tarumã...

Quando o ônibus chegou na rodovia, perto do Hospital do Pênfigo, a bela e sedutora enfermeira levantou-se. Sem olhar para os lados, cruzou a catraca. Deu o sinal. Desceu antes do Clube 5 de Maio, num ponto perto das torres da Enersul. Lugar escuro. Deserto. Abandonado. Perigoso. O jovem tarado, todo fogoso, disfarçadamente, desceu atrás. Até aquele instante o fim da noite prometia.  O sujo plano de Bem-Hur, por enquanto, estava dando certo. Amanhecera o dia seguinte. Sábado. Antigamente de Aleluia...

Dia de malhar o Judas...

Enquanto isso Maria, nervosa, aguardava inquieta, café quentinho na térmica a espera do filho único. Apesar de todos seus defeitos, Ben-Hur sempre avisava quando não ia voltar para casa. Aflita, a assustada mulher já telefonara para tudo quanto é lugar onde ele pudesse ter passado a noite. Ninguém sabia. Nenhuma notícia. Nada...

_ “Porque é que ele não chega meu Deus? Onde andará meu menino?”...

Meio-dia, buzinas no portão. Maria, angustiada, corre para atender.  Lá fora, parado, um carro preto. É a polícia. Trazia noticias sobre seu filho...

Ben-Hur, finalmente, havia sido encontrado...

Boiando no Anhandui...

Debaixo da ponte, a cem metros do ponto em que havia descido...

Uma negra agulha de tricô atravessava sua garganta...

Outra jazia cravada em seu coração...

O “terror do corujão” nunca mais faria nenhuma vítima.

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