![]() |
[DiárioDeCuiabá/JoséMedeiros] |
VICENTE DA SILVA, índio de 67 anos, cacique de si mesmo, um dos últimos falantes do idioma GUATÓ, vive em um casebre de adobe, madeira e palha, em uma barranca de
rio na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Passa seus dias na companhia de um
pequeno exército de cães e gatos, a remoer as lembranças de um tempo em que seu
povo se espalhava sem limites pelos confins do Pantanal. Até 2006, quando morreu o tio, havia
três moradores por lá. No ano passado, uma pneumonia levou a mãe, Júlia, aos
105 anos. Conhecidos como os "índios
canoeiros", pela rara habilidade em construir e manejar
embarcações pelo labirinto de rios da região, os GUATÓ chegaram a ser
considerados extintos entre as décadas de 1950 e 1970. Dispersos pelas cidades e fazendas de
gado do Pantanal, os remanescentes da etnia só foram redescobertos a partir de
1976, em um processo que culminou no reconhecimento de uma terra indígena na
chamada Ilha Ínsua, com 10,9 mil hectares, onde vivem cerca de 200 índios. A família de VICENTE, porém, nunca
aceitou a possibilidade de mudança para a área demarcada. Diferentemente de
outros grupos indígenas, os GUATÓ não se organizavam em aldeias. VICENTE diz
que nunca mais foi à ilha desde a demarcação e que não gosta de lá. O motivo? A
inexistência de GUATÓS que chama de "legítimos": "Lá não tem
índio. Só boliviano e paraguaio. Só fala que é GUATÓ, que é índio, mas não é.
Finado meu tio foi lá para ver se tinha, mas não viu índio GUATÓ por lá. Então
não serve!". Acabou por se cercar
de um ruidoso grupo que impressiona quem o visita: 3 cães e quase 30 gatos. Para se manter, e cuidar de seus
bichos, ele se vale principalmente da pesca e de uma roça onde planta mandioca
e banana. Arrumar o que comer, porém, não é a única preocupação. Somente neste
ano, conta ele, 3 de seus gatos foram comidos por onças, que vêm vasculhar o
seu quintal quando anoitece: "Ela sai na beira do rio e anda por aí, passa
e encosta na minha parede. Faz barulho e fica rodeando. Por isso que os bichos
dormem lá dentro comigo. Por causa da onça. Eu ponho um restinho de comida e
eles vão lá dentro, cachorro, gato e tudo!". Quebrar a rotina solitária exige
preparo físico. A comunidade mais próxima, à beira do rio Paraguai, fica a
quase 2 horas de remo: "Daqui para lá é descida e vai mais fácil. Na
volta, de subida, custa mais, por que é contra!". Tímido, diz que procura uma
companheira. Admite ser difícil encontrar quem se disponha a compartilhar seu
modo de viver: "Eu fico pensando, onde será que vou arrumar? Sozinho
direto assim, não dá não!".
Nenhum comentário:
Postar um comentário