23/09/2013

DIANTE DO ÚLTIMO GUATÓ VERDADEIRO?

[DiárioDeCuiabá/JoséMedeiros]
VICENTE DA SILVA, índio de 67 anos, cacique de si mesmo, um dos últimos falantes do idioma GUATÓ, vive em um casebre de adobe, madeira e palha, em uma barranca de rio na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Passa seus dias na companhia de um pequeno exército de cães e gatos, a remoer as lembranças de um tempo em que seu povo se espalhava sem limites pelos confins do Pantanal. Até 2006, quando morreu o tio, havia três moradores por lá. No ano passado, uma pneumonia levou a mãe, Júlia, aos 105 anos. Conhecidos como os "índios canoeiros", pela rara habilidade em construir e manejar embarcações pelo labirinto de rios da região, os GUATÓ chegaram a ser considerados extintos entre as décadas de 1950 e 1970. Dispersos pelas cidades e fazendas de gado do Pantanal, os remanescentes da etnia só foram redescobertos a partir de 1976, em um processo que culminou no reconhecimento de uma terra indígena na chamada Ilha Ínsua, com 10,9 mil hectares, onde vivem cerca de 200 índios. A família de VICENTE, porém, nunca aceitou a possibilidade de mudança para a área demarcada. Diferentemente de outros grupos indígenas, os GUATÓ não se organizavam em aldeias. VICENTE diz que nunca mais foi à ilha desde a demarcação e que não gosta de lá. O motivo? A inexistência de GUATÓS que chama de "legítimos": "Lá não tem índio. Só boliviano e paraguaio. Só fala que é GUATÓ, que é índio, mas não é. Finado meu tio foi lá para ver se tinha, mas não viu índio GUATÓ por lá. Então não serve!". Acabou por se cercar de um ruidoso grupo que impressiona quem o visita: 3 cães e quase 30 gatos. Para se manter, e cuidar de seus bichos, ele se vale principalmente da pesca e de uma roça onde planta mandioca e banana. Arrumar o que comer, porém, não é a única preocupação. Somente neste ano, conta ele, 3 de seus gatos foram comidos por onças, que vêm vasculhar o seu quintal quando anoitece: "Ela sai na beira do rio e anda por aí, passa e encosta na minha parede. Faz barulho e fica rodeando. Por isso que os bichos dormem lá dentro comigo. Por causa da onça. Eu ponho um restinho de comida e eles vão lá dentro, cachorro, gato e tudo!". Quebrar a rotina solitária exige preparo físico. A comunidade mais próxima, à beira do rio Paraguai, fica a quase 2 horas de remo: "Daqui para lá é descida e vai mais fácil. Na volta, de subida, custa mais, por que é contra!". Tímido, diz que procura uma companheira. Admite ser difícil encontrar quem se disponha a compartilhar seu modo de viver: "Eu fico pensando, onde será que vou arrumar? Sozinho direto assim, não dá não!". 

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