30/11/2025

A VAMPIRA DO PARQUE DOS PODERES,,,

 



Quando Jenir completou 18 anos, sua avó, benzedeira no bairro Amambaí, lhe deu um patuá costurado em um pano preto advertindo-o que, daquele dia em diante, deveria sempre trazê-lo pendurado no pescoço. O patuá guardava em seu interior, mistura de ervas com dentes de alhos macerados exalando um odor azedo que o jovem fingiu ignorar. Fechava o corpo. Evitava quebranto, mal olhado, feitiço, praga. Afastava bruxa, vampiro e lobisomem. Para conquistar mulheres era infalível. Jenir deveria carregá-lo diuturnamente...

Era tudo que o Don Juan precisava para garantir suas conquistas baratas. Agora poderia aprontar sem temer nenhum tipo de represálias. Além de ter o corpo fechado, seria irresistível. Mulheres? Seriam presas fáceis. Pensando estar protegido física e espiritualmente, o rapaz começou a agir como um super-homem. Depois de acertar uma milhar no jogo-do-bicho, comprou um velho Opala. Mandou envenenar o motor...

Um porteiro do Rádio Clube, conhecedor das quebradas da Cidade Morena, revelou que sabia de um lugar onde ele poderia “queimar pneu”: “No Parque dos Poderes, depois das dez da noite, por causa da pressão dos filhinhos de papai, fica tudo liberado. A polícia deixa a zoeira correr solta!”...

31 de outubro, dia do Halloween, noite das bruxas, altos da Afonso Pena. É quase meia noite. Suando, Jenir se embriagava com o cheiro da borracha queimada no asfalto. Gangues de punks e darks misturavam-se a jovens e coroas mal intencionados que começavam a lotar os acostamentos. Jovens fantasiados. Pelas pistas da avenida mais charmosa de Campo Grande, desfilavam vampiros, duendes, dráculas, frankesteins e bruxas, vibrando e surtando com o roncar dos motores envenenados...

O “crack” corria solto. Havia cheiro de marijuana no ar. Jenir já havia flertado com meia dúzia de gatinhas empolgadas com seus cavalos de paus quando percebeu na multidão uma “vampira”. Sua atenção foi desviada para a mulher mais bonita que jamais tinha visto na vida. No meio da fumaça dos baseados e dos escapamentos, flutuava ela. Sorrindo para ele, insinuava uma noite plena de aventuras...

Jenir, não perdeu tempo. A pé, foi atrás da bela fantasiada. De longe, minissaia provocante, agitando esvoaçante capa negra, ela continuava a esbanjar seu charme. “Vai ser moleza!”, pensou o rapaz ao aproximar-se para abordar aquela tentação. Daí, a decepção. A menina recuou. De repente, olhos arregalados, assustada, como se estivesse sufocando, precisando respirar, ela fugiu apavorada engolida pela na multidão. Perplexo, Jenir se recusou a desistir da moça. Seu problema se resumia em encontrá-la. Com raiva, ficou mais arrojado. Radicalizou nas manobras. Ganhou cada vez mais aplausos. Subia e descia a avenida surtando como se estivesse drogado. E, de novo, ela. Desfilando na multidão, sorria maliciosa para Jenir. Pele alva, sedosa. Cabelos negros. Unhas vermelhas semelhantes à garras. Boca sensual, dentes perfeitos. Olhar profundo e marcado por enigmática olheira...

Jenir desce do carro batendo a porta. Corre em busca de sua musa. Ao tentar falar com ela, de novo é recebido pelo mesmo olhar angustiado, apavorado, o medo desenhado em cada gesto. De novo a fuga em pânico pela noite. O rapaz tenta persegui-la. Barrado por um grupo de ‘skinheads’, desiste da perseguição. Desolado volta para o carro Sua frustração era tanta que se quedou absorto, parado. Cabisbaixo, não entende o que acontecera. Irritado, abre a porta do Opala e se joga no banco dianteiro. Nisso, o cordão de seu patuá se enrosca na maçaneta. Arrebenta. O amuleto carambola no ar, vai parar debaixo do banco dianteiro. Um cheiro nojento invadiu o ar. Os olhos de Jenir lacrimejam. Suas pupilas se dilatam. Pensa: “É isso! É do patuá este maldito cheiro de alho podre. Ela fugiu por causa do cheiro! Por que não percebi antes?”...

Os primeiros fogos comemoravam o Halloween quando Jenir se misturou com as múmias, esqueletos e dráculas. Ápice da noite das bruxas. O patuá? Seu patuá jaz esquecido debaixo do banco. Confiante, o rapaz corre em busca da sua vampira. Ei-la ali. Desta vez, a mulher-morcego não foge. Caminha lentamente enquanto Jenir segura em sua mão. Ao lado dele, deixa-se abraçar. Não se nega. Depois de um apaixonado beijo, sem dizer uma só palavra, o casal mergulha nas românticas quebradas dos altos d’Afonso Pena...

Primeiro de novembro. Dia de todos os santos. Véspera de Finados. Na névoa seca da manhã, um médico legista examina o corpo de um jovem caído ao lado da estátua do guerreiro guaicuru no Parque das Nações Indígenas. É o cadáver de Jenir.  Sem nenhum sinal de violência, ferimento, hematoma, ou buraco de bala. No pescoço, na jugular, dois furos. O corpo não tem uma gota de sangue. Parece um boneco de cera...

O legista chama o delegado. Faz uma confidência. Sussurra ao seu ouvido: “Eu não acredito em bruxas, mas, ontem foi a noite delas. Posso jurar que este coitado foi atacado por um... vampiro!“ Respira fundo: “Como nós sabemos que vampiros não existem, não sei o que dizer! Para não atrapalhar nosso feriado, vou atestar morte natural! Parada cardíaca! Todo mundo vai notar as duas marcas no pescoço. Vou ser menos formal. Evitar perguntas embaraçosas. Ele? Se picou. Injetou cocaína ou heroína no pescoço. O coração não resistiu. Resolvido... Morreu de overdose!”...

Pobre Jenir. Quem mandou não ouvir o conselho de sua avó? Quem mandou abandonar seu patuá? Longe dele, não tinha o corpo fechado...

Meninos... Eu vi !!!

[ jairbuchara@hotmail.com ]

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