DEPOIS? NÃO ADIANTA CHORAR !!!
DEPOIS? NÃO ADIANTA CHORAR !!!
No dia 11 de maio de
1965, Campo Grande parou...
Parou para ver sua
majestade, Pelé, o rei do futebol...
Em companhia de seu
honorável séquito, ele, pela primeira vez visitava a capital econômica do velho
Mato Grosso. Assim que amanheceu, a população invadiu desde a Base Aérea até o
centro, as ruas por onde passaria a delegação do Santos FC. A praça Newton
Cavalcante (nos quartéis) e a praça Cuiabá (na Cabeça-de-Boi), nunca antes
haviam recebido tanta gente. Era impossível chegar até a frente do hotel onde
aquela verdadeira seleção ficou hospedada. À noite, para orgulho da cidade, o modesto
“Stadium Belmar Fidalgo”, singela caixa-de-fósforos se transformou num
verdadeiro Wembley, o mais lendário estádio do mundo. Lotado. Pessoas se
empurrando em busca de um lugar na tímida arquibancada de madeira. Não havia
espaço nem para mais uma nervosa mosca. Gente trepada nas árvores, nos postes,
nas torres, nos telhados, nas carrocerias dos caminhões. Tudo valia a pena para
ver o rei-menino...
Foi uma noite de
gala. Tudo deu certo...
Clima agradável,
morno, céu cheio de estrelas, Lua cheia apreciando o espetáculo. Soprava uma
suave brisa. Ninguém ousava respirar. Ninguém queria perder um só lance
daqueles endiabrados mulatos...
De repente, não
interessa quanto estava o jogo, um lance surreal, mágico, surpreendente.
Modesto, desajeitado zagueiro que acabara de substituir o grande capitão Mauro
Ramos de Oliveira, ao tentar destruir um ataque do Comercial - Jadir, Tachinha,
Gileno, Delví, Pé-de-Pato, etc - cometeu uma pixotada. Para surpresa da
torcida, tentando armar um contra ataque, deu uma grotesca bicuda, um
desengonçado balão. A esfera de couro subiu. Subiu e continuou subindo. Por um
instante misturou-se com a penumbra acima dos refletores. Confundiu-se com a
magnífica Lua que engalanava aquela jornada...
O público não
perdoou aquela inadmissível falha. Começou a vaiar estrepitosamente, a plenos
pulmões, enquanto a bola, ofendida, se misturava à escuridão provocada pelo
encontro desordenado de luzes. Acompanhada pelos apupos, ela subiu. No seu
limite, parou. Daí começou a cair. Reta. Rápida. Pesada. Veloz. Como uma
flecha. Bem na direção do meio do campo. O silêncio tomou conta do velho e
acanhado estádio...
Foi então que apareceu
um mago. Um deus. Um mágico. Um rei: Pelé...
Com rápidos e
elegantes passos, ele se posicionou estrategicamente debaixo da trajetória da
pequena e indefesa deusa que caía do céu. Enchendo seus pulmões de ar, estufou
o peito. Esperou. A bola, suavemente, afundou naquela anatômica almofada. Do
peito para a coxa. Da coxa para o chão. Do chão para o gol. Aylton Caldas,
goleiro do Comercial, até hoje - exageros à parte - está tentando descobrir por
onde aquela bola passou...
Delírio total. Vaias
viraram aplausos. O singelo estádio quase veio abaixo. Naquela inesquecível
noite, Pelé marcou três belíssimos golaços, catalogados com os números 710, 711
e 712...
Vem desde esta
maravilhosa noite, a indignação dos desportistas deste Estado do Pantanal, que amam
o esporte, com a inércia, a falta de imaginação dos homens que manipulam seu
futebol. De que números foram os gols marcados pelo Rei naquele jogo? Ninguém
sabe dizer. Ninguém, até hoje, procurou saber...
No Dia de Finados de
2001, em Londres, na Inglaterra, Pelé marcou o último gol do gramado do Wembley
Stadium. Cobrou, simbolicamente, uma penalidade máxima. Fez o último tento
naquele santuário que, dias mais tarde, viria a ser demolido...
E, em Campo Grande? Infelizmente, na praça esportiva do rejuvenescido e moderno Belmar Fidalgo, ponto de encontro das famílias e dos turistas, nenhum mosaico, nenhum cartaz, nada, faz relembrar aos visitantes que, numa memorável noite de 11 de maio de 1965, Pelé, o Rei do Futebol, o maior atleta do século XX, o melhor jogador que o mundo já reverenciou, pisou em seu gramado e nele cravou três, gravados e catalogados, gols...
Passados os anos será que, hoje, os atuais frequentadores das suas pistas e quadras, sabem desta história? Será que algum jovem acredita que, em uma longínqua noite de maio de 65, o rei-menino, o deus da bola, visitou o Belmar e nele fez suas diabruras? Este feito do Rei – gols 710, 711 e 712 - sem nenhum marco que o relembre, infelizmente em breve se transformará em uma tênue lembrança...
Não mereceria uma homenagem?
Cadê a placa?
Meninos... Eu vi !!!
****[Jair Buchara]****
A primeira vez que entrei no Stadium Belmar Fidalgo, foi por puro acaso. Beirava os 13 anos, voltava de bicicleta do Dom Bosco para casa e, ao passar em frente ao portão principal do velho estádio fui atraído pelo alarido que vinha de seu interior. Era sábado. Quase 3 da tarde. Pelos gritos exaltados, logo adivinhei que os torcedores estavam brigando. Quando dei por mim estava forçando a velha catraca do portão principal. O bilheteiro e o guarda, com certeza, tinham corrido para ver a briga. Por pura molecagem, aproveitando a oportunidade, pulei a catraca. Entrei. De fininho...
Fui para a
arquibancada de madeira que ficava ao lado da humilde cabine de madeira
destinada à crônica esportiva. Nela, Sabino Preza, Ramão Achucarro, Mario
Mendonça, Kamya Júnior, Santos Mário, continuavam a narrar o jogo. O tumulto
acabara de ser controlado...
No gramado jogavam Asas
X Primeiro de Maio: soldados da Aeronáutica versus empregados da Sapataria
Zás-Trás. “Padeiros” contra “sapateiros”. A briga acabara. Os jogadores ainda estavam
nervosos. Para fugir do porteiro, busquei abrigo na torcida do Asas, comandada
por Mikiba, um taifeiro da Base Aérea, fanático, que não parava de gritar bem
alto incentivando o seu time. Na outra torcida, paraguaios gritavam palavrões
em guarani que eu não entendia...
O “zero”, não saía do
placar. Jogo duro. Difícil. Tenso. Disputado sob uma chuva fina. Insistente. O gramado
estava encharcado. A bola quase não rolava. Poças tomavam conta do campo
inteiro...
Ferramenta, zelador
do estádio, apitava a partida. Seus auxiliares? Felipão e Português. O trio se
esforçava para não criar caso, nem com os “soldados”, nem com os “sapateiros”.
Aquele empate não servia para nenhuma das equipes. Ambas poderiam ser
desclassificadas. Era vencer ou vencer...
Com o ambiente quente,
relógio avançando, o jogo fica dramático. Os times não arriscavam. A torcida roía
as unhas. Um torcedor impaciente, chateado com aquele “cerca-lourenço”,
desabafou: “Vamos correr safados! Falta só um minuto!”. O desespero tomou conta
dos jogadores. O jogo pegou fogo. O medo da desclassificação se desenhava nas
caras dos atletas...
Daí, o lance que
viraria folclore...
O Primeiro de Maio atacou com Antolí: recebeu a
bola do goleiro paraguaio Hermocilia, se livrou de um adversário, tabelou com
seu irmão Sapateiro e, da entrada da área, deu uma bicuda que ia furar a rede. Alindor
(“Gato”), goleiro do Asas voou baixo, desviou o petardo. A bola ricocheteou na
trave, bateu em Dequinha, pipocou no Maria Gorda e sobrou para Fumaça. De olhos
fechados o sargento enfermeiro deu um balão para o lado que estava virado. A
bola subiu, atravessou o campo. Foi cair, limpinha, nos pés de Sapo, ponta direita
do Asas que partiu em velocidade rumo ao gol adversário...
Desesperado, Hermocilia, goleiro da Zás-Trás,
abandonando a meta tentou impedir que Sapo chutasse. Com rara habilidade, Sapo se
livrou do obeso guarda metas e, vendo a bola se encaminhar para dentro do gol,
correu, para sua torcida. Vibrava, comemorava o golaço que pensava ter feito. Acabou
sendo sufocado por uma pirâmide humana. Hermocilia, caído na intermediária, cara
enfiada na lama, dava murros no chão, lamentando a desclassificação do Primeiro
de Maio...
Enquanto a torcida do Asas corria para o alambrado para
comemorar seu gol, aconteceu uma coisa do arco da velha. Aquela festa não durou
muito. De repente o carnaval foi se transformando em murmúrio. O velho Belmar
ficou mudo. Enquanto um silêncio sepulcral dominava a torcida, de novo aquela
voz anônima, incrédula, começou a berrar: “Olha a bola seus burros!”...
A bola? Não entrara
no gol. Depois de chutada, maliciosa, matreira e coquete, estava parada.
Quietinha. Descansava, na boca do gol, metade em cima da linha fatal, dentro de
uma poça d’água. Imaginem vinte-e-um marmanjos, acordando do absurdo transe, disparando
na mesma direção, tentando impedir (ou concretizar) o lance de misericórdia...
Benitez, zagueiro de seleção
paraguaia, capitão do Primeiro de Maio, saúde de puro sangue, um armário, chegou
primeiro. Sem nenhuma categoria, mas com muita picardia, deu um bico na
“garotinha”. Deu um chutão para longe. Por cima do muro e das copas dos ipês
coloridos da Dom Aquino. O que aconteceu depois? Uma explosão de gargalhadas...
O jogo? Acabou zero a
zero, com torcedores e jogadores se abraçando...
Meninos... Eu vi !!!
******[Jair Buchara]******